sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Roda Viva

Chico Buarque - Roda Viva

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá
Roda mundo (etc.)

A roda da saia, a mulata
Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua, a cantar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a viola pra lá
Roda mundo (etc.)

O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a saudade pra lá
Roda mundo (etc.)



Esta letra de Chico, como tantas outras, tem mais de um significado possível, o mais popular era a critica velada à ditadura que brotava das entrelinhas.
Mas não é o aspecto político da letra que quero comentar, mas sim de como a vida, por mais que pareça o contrário, não está em nossas mãos.
Estes dias conheci uma menina pela internet, alguém que eu acompanhava com interesse há muitos meses, se ela não me dissesse a idade, provavelmente a trataria como um mulher mais velha.
Seria uma mulher com pequenas crises de imaturidade e não uma mocinha com muita maturidade.
E te faz pensar como a vida te joga no mundo e diz: viva, dê seu jeito.
De repente você está vivendo coisas que jamais imaginou, que nem teve chance de se preparar.
Algumas poucas pessoas pegam o furacão, colocam cela e saem cavalgando, outras são jogadas pra lá e pra cá sem rumo, sem direção, ficando as marcas das pancadas que levam a cada reviravolta do turbilhão que a vida se torna.
Esta menina está no primeiro caso, ou pelo menos quase lá. Ainda se defende usando as armas que tem, ainda se protege usando os escudos que tem, ainda se recolhe e chora usando os abrigos que tem.
Para se chegar até ela é preciso “despi-la”, tirar todos os véus que a cobrem, a escondem, véus que tem como objetivo enganar, dificultar a visão de quem a observa.
É difícil enxergar a mocinha verdadeira, nem ouso me arriscar a dizer que já conheço sequer parte, mas ouso dizer que é uma descoberta valiosa.
Mas por que a vida age assim? Nos tira do conforto da nossa vidinha e joga no mundo?
Mas antes que simplifiquem minhas palavras, não estou falando aqui de mais uma história adolescente, de mais um roteiro comum de nossos adolescentes, não, é mais complexo que isto, é mais elaborado, eu diria até que mais refinado.
É uma combinação estranha que vai jogando, manipulando os fatos conduzindo para rumo indefinido, direção incerta, e que vai exigindo adaptação, num ambiente inóspito para se crescer, viver e se tornar adulto.
Ainda assim ela sai uma adulta orgulhosa, de olhos expressivos, personalidade forte e sem perder a ternura.
Mas por que a vida age assim?
Não sei, talvez por que queira nos forjar a ferro e fogo para algum desafio futuro, talvez por que queira nos usar como exemplo, talvez castigo divino para nossas vidas passadas...
E se a vida não for o furacão que imaginamos e sim nossas escolhas que nos joga dentro dele?
Mas como cobrar que alguém tão jovem tome decisões sábias? Então quando jovens estamos nas mãos dos adultos?
Talvez isto torne tudo mais cruel, sermos jogados no olho do furacão justamente por aqueles que deveriam nos proteger.
Mas...
Nem sempre toda astúcia e sabedoria adulta consegue nos proteger do inevitável.
E nossa continha de somar e diminuir começa a virar uma equação, e como resolver uma equação quando ela nos pega numa fase da vida que mal aprendemos a dividir?
Tantas possibilidades e lá estamos nós no olho do furacão.
O que torna mais admirável esta bela mocinha, que talvez nem tenha se dado conta do furacão, botou sua melhor roupa e viveu, vencendo cada fase, cada desafio.
Mas fez isto com uma artimanha, se encheu de véus, tem a arte de ludibriar, induzir ao engano, dificultar a visão de quem tenta preguiçosamente lhe observar.
Para entendê-la, é preciso ser paciente, cuidadoso, atento. É preciso se aproximar e recuar na medida exata, afinal, ela usa armadura em forma de véus.
Esta mocinha passa despercebida à maioria, prova de sua imensa capacidade de domar o furacão, esta menina mulher que ainda tem tanto a viver mas já viveu tanto, esta mocinha que faz a gente pensar em como a vida é uma roda viva e com leis que parecemos ser incapazes de decifrar.
Esta mocinha com sua ousadia e coragem, de olhar tão penetrante e sorriso tão doce, tão cheia de vida e medos, tão cheia de vontades e desejos, tão segura do que quer, tão forte e tão necessária de carinho, tão menina e tão mulher, que diz coisas como se tivesse vivido anos, que reage como se acabasse de virar mulher, que mal se dá conta do que representa.
E como a vida te desafia ao colocar diante de você algo especial que só pode ser desvendado através do olhar diferenciado, de sair da posição cômoda que temos a tendência de adotar na vida para uma posição que privilegie o olhar e as descobertas do novo, que exige de nós algo mais do que um simples olhar e palavras cotidianas.
Acho que todos nós temos histórias de sucesso e fracasso quando confrontados com estas oportunidades, coisas que conquistamos ou perdemos, o fracasso pode ser medido pelo simples fato de não termos percebido a oportunidade e o sucesso pelo vislumbre através das pequenas frestas da vida.
Pois bem, os ensinamentos que esta mocinha nos trás é que jamais devemos ver a vida de maneira preguiçosa, que jamais devemos perder a fé nas pessoas, que jamais devemos esquecer como a vida pode ser encantadora, que por mais que ela pareça escorregar entre os dedos, podemos colocar cela no furacão e doma-lo.
Feliz de quem pode descobrir através das frestas da vida pessoas tão belas e ricas como ela, que apesar de tão jovem já ensina tanto.