Um rápido passeio pelo que se escreve nos tempos atuais e vc fica logo preocupado. Vc não sabe se é ingenuidade ou má fé, ou se é só desejo de não acordar do pesadelo.
As leituras são tão interessantes qto loucas, o que vale a reflexão.
Vejamos uma: "Movimento de elite".
Como supor que uma desaprovação já próxima de 80% (alguns já dizem até mais) pode ser tratada como "movimento de elite"? O melhor comparativo que fiz foi com torcida de um time muito popular, vc tende a classifica-la por uma face, "só pobre, só favelado, só bandido...", quando se sabe que ela é formada por gente de todas as classes sociais, de todos os níveis culturais, com a única diferença em sua forma de manifestar amor por seu time. Não dá pra negar o óbvio, por exemplo, dizer que só tem gente incomodada com a ascensão das classes mais pobres me soa como deboche.
Alguns tentarão desqualificar dizendo que pesquisas são manipuladas pela grande mídia, mas esquecem que nas ruas o descontentamento é geral.
Por falar em mídia, ela é a grande vilã da história, pq um grupo diz que ela apóia tudo que está ai, outro grupo afirma que ela que prepara o golpe. Complicado, talvez seja só imprensa ruim mesmo, talvez a imprensa tente sobreviver no fio da navalha onde os movimentos em onda te jogam em todas as direções.
Outro argumento é aquele velho "o sujo falando do mal lavado", ou seja, vc tem atitudes individuais de ética duvidosa que te proíbem de se posicionar, manifestar ou o que for, o legal dessa visão é enxergar pureza em líderes políticos que dizem com todas as letras que em eleição se faz o diabo pra ganhar (e fez).
Voltando a analogia da grande torcida, evidentemente isto vale para analisar o outro lado, afinal, a defesa vem de todos os lados, inclusive de gente que tb compõe a tal elite (talvez com a diferença que não chegou lá como fruto de seu trabalho mas, como diz a piada, como furto de seu trabalho).
Os dois lados tem gente do bem e do mal, tem gente com boa e má fé, mas muitos ainda insistem em dividir o Brasil, só que se esquecem (ou fingem esquecer) que na maioria vencedora da eleição tem gente que não votou num projeto, que não votou por convicção política e sim levando em conta o seu universo particular. Ou não? Tão volúvel foi esse voto, que poucos meses depois já engrossa a estatística dos insatisfeitos.
Não existe um lado puro e um lado podre, as pessoas tem seu próprio entendimento de mundo e suas razões, seja de que lado está.
Ai vejo como mal caratismo dizer que quem se manifesta pela saída da presidente seja adepto do golpe, pior, a volta dos militares.
Outra das ironias é que ninguém falava em golpe na época do Collor, que ninguém pregava o diálogo, etc. E ele caiu por uma Elba (alguém lembra disto?). E ironia das ironias, para acabar de vez com qualquer visão ingenua do poder, o líder dos cara pintadas hoje é pego no mesmo saco que o Collor, tb aliado de última hora do Lula que foi execrado numa campanha difamatória.
Convenhamos, pressupor pureza de caráter é demais, é não estar atento à história, ao mundo real que nos cerca.
Indo além, poucos tem esta ingenuidade, nos falta de fato uma liderança acima do bem e do mal, mas daí a aceitar ser roubado de maneira tão escrachada, sustentar esta roubalheira e, ainda por cima, ver o governo dispensar favores aos nossos vizinhos (próximos e bem distantes) não dá, ou em nome de sei lá o que devo aceitar tudo isto quieto?
"Melhor o diabo do que manter o que está ai".
É algo a se pensar.
E indo mais fundo na ingenuidade que toma conta de certos setores, um partido que historicamente esteve contra o banqueiros e empreiteiras, de maneira tão incisiva e convicta, agora é sócio dos mesmos grupos e, os mesmos cidadãos que compartilhavam a velha ideologia, agora mudam de lado defendendo a parceria... Interessante, não?
Podemos ir mais fundo, pq não só era contra empreiteiras, bancos mas, muitas vezes, até contra o próprio Brasil. Ou ninguém viu o Lula dizer que muitas vezes agiu politicamente, até mentindo, para obter vantagens? Que plantou discórdia e desgraças para beneficio próprio? Não, tamanha ingenuidade, não...
A questão principal é de vergonha alheia, pq é natural que fiquemos constrangidos com atos equivocados de quem gostamos e apoiamos. A grande ética é saber reconhecer o erro, saber se posicionar, sem compactuar com desvios de caráter, pq nada, absolutamente nada justifica o erro.
Pouco acima falei dos que argumentavam que se perde a razão de falar contra quando seus atos individuais te desqualificam, pois é, a partir do momento que vc acha que roubar é natural, vc já perde a razão, pouco importa se faz parte da cultura, do histórico da nação, é errado e pronto.
Bonito é falar dos outros países, de como agem, de como se punem, de como se tem a decência de renunciar à cargos e até a própria vida, quando o discurso muda quando se fala do próprio país.
Duas questões numéricas pra acrescentar: estamos diante do maior roubo em escala mundial de um país democrático. Se cada real roubado fosse convertido em segundo, seriam 30 anos perdidos.
Só não me tirem o direito de me posicionar, isto é democracia. Só não me tirem o direito de me constranger, isto é vergonha na cara.
Acho que fica claro que não sofro de ingenuidade, não vejo pureza escondida no meio de tudo que está ai, mas isto não me dá o direito de aceitar, ficar quieto, não me posicionar.