quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Deixando para amanhã...

Quando eu era pequeno, minha mãe me contava uma história que tinha ouvido de minha avó, que por sua vez a ouvira de minha bisavó. Era sobre um jovem escravo chamado Pedro, molecote esperto mas analfabeto. Dia sim, outro também, ele aparecia na igreja pra pedir alguma coisa ao vigário que, preocupado com sua alma, sugeria que ele se confessasse e fizesse a primeira comunhão.
Mas havia um porém. Para receber o corpo e o sangue de Cristo, através da hóstia, na eucaristia, o guloso Pedro precisava jejuar. E aí a porca torcia o rabo. Sempre que o negrinho apontava na sacristia, a pergunta era a mesma:
— Está em jejum, Pedro? Pronto para se confessar e fazer a comunhão?
— Ih, seu padre, esqueci e tomei o café da manhã!
O número se repetia diuturnamente. Até que, já sem paciência, o vigário resolver escrever num papel a seguinte frase: "Amanhã jejua Pedro!". E, sabendo que ele era incapaz de ler e escrever, recomendou-lhe, em tom severo.
— Ao levantar, peça a alguém pra ler isso pra você. Assim que sair da cama!!!
E Pedro obedeceu. Todo santo dia, acordava com o papel na cabeceira, levava-o a alguém da casa grande que soubesse ler e ouvia:
— Amanhã jejua Pedro!
Todo feliz, o glutão retrucava:
— He, he, ainda bem que não é hoje...
 
Essa história é pouco nossa história, um pouco de cada um de nós.
 
Fonte: Coluna do Renato Mauricio Prado no dia 06/11/2011 - O Globo

Nenhum comentário: