terça-feira, 21 de agosto de 2007

Confiar desconfiando

Outro dia, no meio de uma reunião, percebi como somos capazes de sermos amistosos, gentis numa relação apesar do alto grau de desconfiança.
Afinal, somos falsos?
Fiquei pensando nisso e cheguei à conclusão que na maioria das nossas relações, talvez em todas, confiamos desconfiando, e é tão natural isso que não afeta o bem estar da relação, é inerente a relação humana.
Falamos tanto de entrega, confiança, mas no íntimo sempre existirá algum grau de desconfiança, algumas vezes insignificante, outras intensas, mas com a maturidade e a vivência aprendemos a lidar bem com isso, sem deixar que nossos atos denunciem.
O mais engraçado é que muitas vezes até se desenvolve uma relação pra lá de amistosa, ambos se reconhecem como “adversários”, ambos se desconfiam, mas o respeito e admiração são tão grandes que torna a relação até agradável.
Respondendo a pergunta: não, não somos falsos.
É sabedoria ter uma margem em qualquer relação, quantas vezes “amigos” nos decepcionaram? Em quantas relações nos demos mal por acreditarmos “cegamente” no outro? Quantas vezes fomos induzidos ao erro por dar alta credibilidade a alguém?
Já quando falamos de amor e similares a coisa piora gravemente. O amor, todos sabemos, é cego, qualquer coisa parecida com amor, mesmo que não seja cego tem alguma deficiência visual que afeta o discernimento.
As histórias mais cavernosas surgem envoltas por algum sentimento real ou pressuposto. Bom, não vou colocar nessa conta a história do chinês que namorou virtualmente um homem pensando ser mulher, só descobriu quando percorreu centenas de quilômetros para descobrir.
Mas quando somos possuídos por algum sentimento ou ao menos pela idéia da existência dele, ficamos sujeitos as análises mais distorcidas, a abaixar a guarda, a corrermos riscos que se reduziriam com o simples confiar desconfiando.
O ser humano não é flor que se cheire, somos carentes, vaidosos, necessitados, ciumentos, vingativos, ambiciosos e mesmo sem querer, a partir desses sentimentos, fazemos o mal. Ora somos os algozes, ora somos as vítimas.
Não estou condenando aqui a espécie humana, erramos e muito até aprender, errar pela vida toda sim se condena, mas errar e sofrer é o preço que pagamos pelo aprendizado, pela maturidade, pela felicidade a ser conquistada.
Seja no trabalho, na rua, na condução, na escola, nos relacionamentos quantas vezes agimos movidos por algum dos sentimentos citados acima? E quantas vezes fomos as vítimas até de pessoas que mais gostamos e até admiramos?
Claro que não agimos assim sempre de maneira premeditada, na maioria das vezes nem nos damos conta. Mas quando existe intenção, motivações ocultas, mesmo que haja algo positivo encobrindo, devemos ficar atentos.
Existem relações onde o bem e o mal se misturam, evidentemente o mal fica escondido, encoberto pelo bem, muitas vezes o bem é muito maior do que o mal, mas é o mal que vence. São os tais inimigos, rivais que se admiram, respeitam, até se gostam, mas existe uma missão, um objetivo a ser cumprido, nem que seja algo calhorda, maléfico.
É ai e em todas as outras situações que entra o confiar desconfiando, velha receita da culinária mineira, nada mais sadio e reconfortante do que isso.
Falsidade? Não. Sabedoria das mais finas.
Não que achemos que a índole do ser humano é ruim, mas por reconhecermos nossas fragilidades, nossa humanidade, aceitarmos que todos nós estamos sujeitos a falhas de julgamento, que todos nós estamos sujeitos a errar, que a vida é dura o suficiente para provocar equívocos.
Com isso também nos precavemos dos mal intencionados, dos que realmente tem índole ruim, dos que naquele momento, intencionalmente, são lobos na pele de cordeiro.
Pois é, lá estava eu numa reunião com um lobo na pele de cordeiro, conversa amistosa, educada, envolvente, mas não deixava de ser um lobo, bendita seja a culinária mineira.

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