sexta-feira, 20 de julho de 2007

Medo do EU original.






"Não sou o tipo que dou o braço a torcer ...rss

Mas sempre fui assim

E quanto me sentir a vontade, acho difícil...Sou do tipo calada, introspectiva, gosto de conhecer, mas não gosto que as pessoas me conheçam "de verdade"..É meu jeito..."








Essa frase é de uma amiga, na realidade é uma resposta quando perguntei por que ela era tão defensiva a ponto de se contradizer.
Não vou revelar o nome, devo até um agradecimento por ela ter me permitido utilizar.
Mas a autoria não vem ao caso, por que essa resposta poderia ter sido dada por qualquer um de nós.
Não vou filosofar sobre a frase, é do tipo que a gente lê e relê buscando entender, buscando justificar, não a resposta em sim, mas o porquê de sermos assim, lembrando que a frase poderia ter sido dita por qualquer um de nós.
Que histórico de vida nos conduz até essa resposta? Que experiências, frustrações, alegrias, expectativas?
Nos camuflamos, dificultamos a observação ao mesmo tempo em que queremos ter a vantagem do lugar privilegiado pra observar.
Nos desconcertamos e ficamos inquietos quando sentimos os olhares dirigidos a nós, não olhares de cobiça, admiração mas olhares esquadrinhadores, olhares que podem revelar o que tentamos ocultar.
Mas ocultar o que? Temos mesmo o que ocultar? Falando assim parecemos criminosos com pensamentos perigosos que devemos esconder para evitar chocar a sociedade.
Não descrevo aqui uma sociedade civilizada, descrevo táticas de caça: camuflar, esconder, ludibriar, instigar, induzir ao erro, adotar posição privilegiada para observação, acompanhar sem ser visto, espreitar...
Mais um tempo e os relacionamentos estarão em documentários do National Geographic não mais na GNT.
Ninguém que se expor mais ao risco da reprovação, todos queremos aprovação com louvor, antigamente lidávamos tão bem com tudo isso, hoje, nos sentimos policiados.
Outro dia eu li uma matéria que falava do remake na música, que nos últimos anos o percentual de regravação já superava o de novas gravações.
Algum tempo atrás se discutia por que não existem mais intelectuais no Brasil. Resposta mais comum: por que todos querem aplausos, aprovação, ninguém quer mais correr o risco de polemizar, ninguém quer dar opiniões que sejam sujeitas a retaliação, desaprovação ou discussão.
Não se respeita mais a opinião alheia, se você pensa diferente e está em minoria, corre o risco de ser massacrado ou sacrificado num belo ritual das sociedades modernas: ridicularização, piadinhas, apelidos.
E o Orkut então, altar supremo da falta de elegância, da incapacidade que estamos desenvolvendo de lidar com o diferente, o oposto.
Até a imprensa anda chapa branca, se depender das notícias vivemos num paraíso. Alguns argumentarão que só se ouve falar em corrupção. Sim, é verdade, mas você já viu alguém se aprofundar? Quanta coisa já foi esquecida? Já viu alguma indignação a cada novo escândalo? Se fala do novo escândalo como se falassem do capítulo da novela. No Japão corrupto se mata, aqui ganha tapinha nas costas.
Nos esportes se tornou impossível confraternização de adversários, as velhas brincadeiras e provocações sem consequências. Hoje, não temos adversários, temos rivais.
Muitos matam alguém só por que usa a camisa do time adversário. Se você elogia um jogador do outro time, pronto, você é um traidor da pátria, um infiel.
Pensar é algo condenável hoje, é mais útil parecer algo do que ser.
Porque nos tornamos tão extremados assim? O que aconteceu que de repente a agradabilidade de uma conversa deu lugar a tensão de uma discussão? Onde ficou o EU original que deu lugar ao eu aceito socialmente? Onde foi que me distrai que de repente já tinham mudado as regras?
Nos tornamos intolerantes com as diferenças, agora é cota para isso, cota para aquilo, até por lei querem determinar as diferenças e os privilégios decorrentes delas.
Ao invés de estimular o convívio, se estimula o isolamento ou agrupamento por critérios específicos.
E cada vez mais a frase lá de cima começa a fazer sentido.
Me diz, qual foi a última música romântica lançada, aquela que a gente chamava de mela cueca nos anos 80? Aquela música que te impulsiona a dançar coladinho, de olho fechado, sentindo o coração do parceiro?
Pois é, até o romantismo se tornou brega.
Mãozinha dada, troca de olhares, flores, coração palpitante? Só em música do Roberto Carlos. Tudo por medo da condenação pública ou mesmo do outro.
Sexo então é corriqueiro, nudez perdeu o encanto. Nos tornamos máquinas regidas por um livreto de convivência, nada mais daquelas coisas complexas de antigamente.
Se tentar ser um pouco mais rigoroso, está fazendo charme...
Educar filhos? Para que se tem televisão, vídeo game e internet?
É inteligente demais, fala de maneira elaborada? Credo, que coisa complicada. Melhor falar gíria, internetês, se comunicar por ruídos e gestos estranhos.
Eita mundinho que vai se reduzindo, logo não teremos espaço nem para nossos pés.
Quem sabe eu ceda à tentação de parecer comum pra sobreviver, quem sabe eu deixe de me cobrar tanto, quem sabe eu me torne banal pra ser aceito, quem sabe eu não ceda à tentação de usar a última camuflagem da moda, quem sabe eu morra para poder viver.
Será mesmo que eu preciso ceder?

Um comentário:

Psique disse...

Sempre tem algo dentro da gente que preferimos esconder, não deixar ser conhecido...
No meu caso nem é por medo de reprovação ( ou até seja um pouco tbm), mas por medo de que conheçam minhas maiores fraquezas e as usem contra mim.
Viver já é tão complicado, não preciso de mais esse problema
;)

bjks